Saturday, June 14, 2008

Parabéns

Gosto do céu porque não creio que ele seja infinito.
Que pode ter comigo o que não começa nem acaba?
Não creio no infinito, não creio na eternidade.
Creio que o espaço começa algures e algures acaba
E que longe e atrás disso há absolutamente nada.
Creio que o tempo tem um princípio e terá um fim,
E que antes e depois disso não havia tempo.
Porque há-de ser isto falso? Falso é falar de infinitos
Como se soubéssemos o que são de os podermos entender.
Não: é tudo uma quantidade de coisas.
Tudo é definido, tudo é limitado, tudo é coisas.

Caeiro

Delayed Devotion

Wednesday, June 11, 2008

Tuesday, June 03, 2008

Eternamente

E escrevi o teu nome e o o teu número de telefone numa página da agenda do mês de Fevereiro. E, ao escrevê-lo, sabia que era uma despedida, mas todo o mês de Março nos arrastámos na despedida, como caranguejos na maré vazia. Sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços, fontes cujo som deveria apagar todos os silêncios, plantei um pomar com cheiro a damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma árvore para olhar as estrelas do céu, um caminho no meio do olival por onde o luar pousaria à noite, abóbadas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitectos a até teias de aranha suspensas do tecto, como se vigiassem a passagem do tempo. Nada disso tu viste, nada te contei, nada é teu. Sozinhos, eu e a aranha pendurada na sua teia, contemplámo-nos longamente, como quem se descobre, como quem se recolhe, como quem se esconde. Foi assim que vi desfilar os anos, as paredes escurecendo, um pó de tijolo pousando entre as páginas dos mesmos livros que fui lendo, repetidamente. Heathcliff e Catarina Linton destroçados outra vez pela minúcia do tempo.


Como explicar-te como tudo isto se te tornou alheio, como tudo te pareceria agora estranho, como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso? Ulisses não voltará a Ítaca e Penélope alguma desfará de noite a teia que te teceste.


E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone. Veio a seguir Abril e depois o Verão. Vi nascer a flor da tremocilha e a das buganvílias adormecidas, vi rebentar o azul dos jacarandás em Junho, vi noites de lua cheia em que todos os animais nocturnos se chamavam rãs, corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade. E já nada disto, juro, era teu.


E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.


Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.


E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.



Miguel de Sousa Tavares in "Não te deixarei morrer David Crockett"

Thursday, May 01, 2008

Clap Clap

To live is the rarest thing in the world. Most people exist, that is all.

Oscar Wilde

Thursday, April 10, 2008

Delicioso

"No meu leito de ferro, desperto pelo barulho das seges, eu pensava nela, rezando avé-marias. Nunca roçara corpo tão belo, de um perfume tão penetrante; ela era cheia de graça, o Senhor estava com ela, e passava, bendita entre as mulheres, com um rumor de sedas claras..."


Eça de Queirós in A Relíquia

Friday, April 04, 2008

Os Queixinhas

É ponto assente aceite por todos, quer a nível nacional, quer a nível internacional, que somos um país pobre. As estatísticas, os políticos, os sociólogos, são unânimes em afirmá-lo.

É certo que ao longo da nossa também longa história, temos tido já períodos de mais prosperidade. Mas isso são “foguetadas”, para depois tornarmos a cair, não “na austera, apagada e vil tristeza”, mas naquilo que parece ser a nossa fatal e atávica mediocridade.

Não sou sociólogo, mas tenho a minha opinião, que nunca em tempo algum tive medo de expressar, com todo o respeito que tenho pelas alheias, mesmo que diferentes das minhas.

É dessa análise, que não pretendo que seja mais do que a minha opinião, de que hoje me proponho falar em breves linhas.

Neste rectângulo “à beira-mar plantado”, que por alturas da independência era a pequena extensão da Galiza até ao Mondego, porque o resto foi sendo conquistado aos mouros, nunca teve autonomia económica para viver desafogadamente. E por mais que os nossos poetas e prosadores tenham tentado arranjar outros motivos e justificações para as descobertas, como a “dilatação da fé e do império”, a verdade prosaica é, para mim, que o que os moveu foi, apenas, a busca de rendimentos que lhes permitissem uma vida melhor, o que é legítimo, se for honestamente conseguido, o que parece que nem sempre foi o caso.

Com as descobertas deixámos de ser apenas um país de agricultores de auto-consumo, mas também de navegadores e colonizadores.

Este foi o nosso principal “desenrascanço” até perdermos todas as colónias.

Mas a figura do “Velho do Restelo” já nos mostra que nos tempos de Vasco da Gama havia os “queixinhas”.

Chegados à democracia com o 25 de Abril e reduzidos à nossa plataforma continental, mais a Madeira e os Açores, continuámos a “desenrascar-nos” com as ajudas comunitárias, depois da nossa adesão.

E duma época em que falar em política era apenas permitido para louvar, seguiu-se outra, em que falar só é usado para lamúrias. É impressionante e deve ser uma vida horrível a daquelas pessoas que não vêem nada de bom à sua volta e não se cansam de o anunciar, quer pela palavra, quer pela escrita. Está sempre tudo mal!

Sempre fomos defensores dum tipo de sociedade que dê a todos os indivíduos as mesmas hipóteses à partida. O resto depende das aptidões e do esforço de cada um. Um Estado que procure ajudar aqueles que se esforçam a aqueles que não podem trabalhar e não aqueles que passam a vida a queixar-se de tudo e de todos, à caça de todos os subsídios com a única finalidade de fugir ao trabalho.

Em vez de passarmos a vida a lamentar-nos, porque é que não vamos à luta? Porque é que a culpa é sempre dos governos e nunca nossa?

Desde 1500 que os portugueses foram à procura duma vida melhor a outras paragens. A esses rendo a minha homenagem e àqueles quatro milhões e meio que ainda hoje andam espalhados pelos quatro cantos do Mundo.

Não quero com isto dizer que o ideal não seja termos todos trabalho e condições na nossa terra. O facto disso nunca ter sido conseguido até agora, não quer dizer que paremos de tentar. Eu sou dos que pensam que há ainda muito potencial a explorar. Temos de ser é suficientemente imaginativos. Mas do que não podemos é estar à espera que os governos, sejam eles quais forem, nos façam tudo. Se assim pensarmos vamos morrer sem o conseguir

Não queremos desculpabilizá-los dos seus erros, porque sempre os tiveram e terão. É bom que sejam cada vez menos. O que não podemos é fazer passar a ideia que os governos sejam os culpados de tudo, mesmo quando nós não prestamos como trabalhadores, como empresários ou como simples cidadãos.

A coisa mais fácil do mundo é arranjar culpados.

Outra coisa que não aceitamos é que sistematicamente, se estabeleçam paralelos com outros povos para salientar aquilo que eles têm melhor do que nós. Eles têm tudo o que é bom e nós só o que é mau.

Só a título de exemplo: será que tenhamos de ter inveja aos atentados no comboio em Espanha, da ETA e nos seus numerosos actos de terrorismo? Será que tenhamos como bom os milhares de carros incendiados em França? Será que seja aceitável o que se passou na Holanda entre católicos e protestantes? E os atentados no metro de Londres e o receio permanente de que aconteçam mais? E o 11 de Setembro nos Estados Unidos? E a crise bolsista? E o endividamento das famílias, que parece é bastante superior ao nosso?

- E os conflitos no Médio Oriente?
- E os assaltos no Brasil?
- Etc., etc., etc.

Será que, por ser noutros locais do mundo, esses povos encarem isso como simples diversões?!

Se está tudo assim tão mau entre nós, porque razão estamos a ter problemas com a obesidade?

Desde quando é que a obesidade é um sinal de privações?

É que o El Dorado, do Cândido, de Voltaire, nunca mais esteve ao alcance da humanidade, desde Adão. Quando isso acontecer, ao darmos o salto para a outra vida (?), podemos então dizer que não “passamos desta para melhor”.

Até lá, tal como Leibniz, temos de considerar que este é “o melhor dos mundos possíveis”, mas como Voltaire, com hipóteses de melhorias. Mas temos todos, governantes e governados, de fazer por isso.

Joaquim São Bento

Tuesday, April 01, 2008

Mundo cinzento

www.olhares.pt


Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

- Eugénio de Andrade

Saturday, March 22, 2008

...


www.olhares.pt

Preferias que cantasse noutro tom
Que te pintasse o mundo de outra cor
Que te pusesse aos pés um mundo bom
Que te jurasse amor, o eterno amor

Querias que roubasse ao sete estrelo
A luz que te iluminasse o olhar
Embalar-te nas ondas com desvelo
Levar-te até à lua para dançar

Que a lua está longe e mesmo assim
Dançar podemos sempre, se quiseres
Ou então, se preferires, fica aí
Que ninguém há-de saber o que disseres

Talvez até pudesse dar-te mais
Que tudo o que tu possas desejar
Não te debruces tanto que ainda cais
Não sei se me estás a acompanhar

Que a lua está longe e mesmo assim
Dançar podemos sempre, se quiseres
Ou então, se preferires, fica aí
Que ninguém há-de saber o que disseres

Podia, se quisesses, explicar-te
Sem pressa, tranquila, devagar
E pondo, claro está, modéstia à parte
Uma ou duas coisas, se calhar

Que a lua está longe e mesmo assim
Dançar podemos sempre, se quiseres
Ou então, se preferires, fica aí
Que ninguém há-de saber o que disseres


Cantiga de Amor - Rádio Macau

Thursday, February 21, 2008

Serenata

Pôr do sol no Cabo da Roca, Fev. 2008


Serenata

Venho ao teu encontro a procurar
bondade, um céu de camponeses,
altas árvores onde o sol e chuva
adormecem na mesma folha.

Não posso amar-te mais,
luz madura, espaço aberto.
Não posso dar-te mais do que te dou:
sangue, insónias, telegramas, dedos.

Aqui estou, fronte pura, rodeado
de sombras, de soluços, de perguntas.
Aceita esta ternura surda,
este jasmim aprisionado.

Nos meus lábios, melhor: no fogo,
talvez no pão, talvez na água,
para lá dos suplícios e do medo,
tu continuas: matinalmente.

- Eugénio de Andrade

Friday, November 03, 2006


"Feel the vibe, feel the terror, feel the pain
It's driving me insane
I can't fake
For God's sake
Why am I driving in the wrong lane...?"

Tuesday, October 31, 2006

Tu não sabes


"Tu não sabes
Que o sonho não morreu
Quando o beijo se perdeu,
Que a manhã não acabou
Só por nós.
Tu não sabes
Que palavras vais usar
Quando o sono nao vier,
Quando a noite te disser
«Vem comigo»..."

Friday, September 01, 2006

Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do mundo
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo.

Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão.

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo
calai-vos que pode o povo
querer um mundo novo a sério.

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

António Aleixo

Saturday, August 26, 2006

Concerto para Piano nº 21 (Mozart)

Vêem-se todas as estrelas.
Rodopio de braços abertos perante a imensidão do Universo.
Sinto cada grão de areia acariciar-me os pés.
A brisa da noite trás o cheiro do mar,
Traz o brilho de prata da lua.
É magia.
É um sonho...

Saturday, May 27, 2006

In memorian



Esses mortos difícies
Que não acabam de morrer
Dentro de nós; o sorriso
De fotografia,
A carícia suspensa, as folhas
Dos estios persistindo
Na poeira; difíceis;
O suor dos cavalos, o sorriso,
Como já disse, nos lábios,
Nas folhas dos livros;
Não acabam de morrer;
Tão difíceis, os amigos.

Eugénio de Andrade