“Tudo está bem quando acaba bem.” A viagem começou mal. O vôo que nos havia de transportar a Israel, com passagem por Bruxelas, foi cancelado ao fim de um dia de espera por causa da neve. Só ao fim do dia pudemos embaçar, mas com passagem por Madrid em vez de Bruxelas. No entanto isto não teve influência no cumprimento do programa de viagem, mas sim e apenas numa noite sem dormir.
A viagem já estava marcada e paga. Havia pessoas amigas que nos aconselhavam a desistir por causa dos acontecimentos na Faixa de Gaza. Mas eu, que não sou herói nem cobarde e como tenho a certeza que acabarei sempre por morrer por esta ou aquela causa, não ia agora desistir. Com a minha esposa a coisa era mais complicada e embora a sua fé religiosa seja mais forte que a minha, não estava lá muito segura, mas não deu parte de fraca.
Fazia parte do meu imaginário, desde criança, poder um dia visitar aqueles locais, primeiro pelas referências bíblicas, pois que para a nossa civilização judaico-cristã, quer queiramos quer não, somos todos os dias confrontados com os nomes desses locais.
Depois pela curiosidade histórica de conhecer “in loco”, lugares como aqueles, carregados de história.
E as expectativas não foram defraudadas.
Não vou fazer a descrição dos lugares, porque muito melhor do que eu se encontram em livros de geografia e história. Mas nomes como Jafa, Cesareia, Cafarnaum, Jericó, Haifa, Monte das Oliveiras, Monte Tabor, Torre Antónia e Monte do Calvário, Tiberíades e o seu lago, Mar Morto e toda a cidade de Jerusalém, etc., fazem-nos sentir que estamos a reviver séculos de história.
Não cabe num simples artigo de jornal toda a experiência passada na viagem, por isso vou apenas referir sinteticamente as coisas que mais me impressionaram.
Um dia de manhã, depois de ter assistido ao nascer do sol nos Montes Golan, do outro lado do Mar de Tiberíades, embarcámos os quarenta e quatro no barco fretado pela agência de viagens para nos transportar através dele para ir comer o célebre peixe Pedro, assim chamado em homenagem ao Apóstolo, situado no lado oposto.
Depois do embarque, um dos dois membros da tripulação, ao mesmo tempo que vai içando a nossa bandeira nacional e põe a tocar o Hino, naquela envolvência foi cá dum efeito que eu nunca seria capaz de imaginar se não tivesse vivido essa experiência.
Outro facto que eu marquei na visita à cidade de Belém, que é um enclave murado da Palestina, foi a preocupação que tinham os seus habitantes em nos garantir que não nos acontecia lá nada de mau e ouvir deles, que sabem um pouco de todas as línguas, saudarem-nos com um “bom dia portugueses”.
Ainda outro acontecimento que mexeu com a nossa sensibilidade, foi na nossa visita ao Museu do Holocausto, a sala onde se encontra a fotografia daquele que foi cônsul em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes e as referências veementes proferidas pela nossa guia em relação a ele pelo facto das vidas que salvou de milhares de judeus e pelo abandono a que foi votado por Salazar, que fazia jogo duplo na guerra. Depois de saberem o que lhe aconteceu, vários judeus chamaram para a América alguns dos seus descendentes e lá os protegeram. Parece-me que falta ainda prestar melhor reconhecimento nacional a essa figura de tão nobres sentimentos humanos.
Quanto à guerra, a desenrolar-se na Faixa de Gaza, sabia-se mais aqui do que nós lá. A televisão, que como é natural, emite em hebraico, não dava para perceber, pois não sou “barra” em hebraico, uma língua que é escrita da direita para a esquerda, em caracteres que mais parecem hieróglifos.
Mas dois factos constatámos relacionados com a guerra:
O primeiro foi quando estávamos no Monte das Bem-Aventuranças e ouvimos alguns disparos. Quando perguntámos à guia o que era aquilo, ela disfarçou e disse que era num campo de treino. Fiquei sem saber se era verdade, se foram os disparos que depois soubemos terem sido feitos na fronteira do Líbano, já que estávamos bastante a Norte e não muito distantes.
O segundo e de que só nos apercebemos mais tarde, foi a afluência enorme de crianças acompanhadas pelos pais, à noite, no hotel em Jerusalém. Pensámos na altura que como os judeus desde sexta-feira ao pôr-do-sol até ao Sabat à noite nem sequer cozinham, que fosse por esse motivo. Soubemos depois que eram de Siderot e como não podiam ir à escola e tinham de estar protegidas por causa dos rockets do Hamas, o governo pagou-lhes a deslocação e estadia no hotel durante o fim-de-semana.
Nesta romagem à Terra Santa, não posso deixar de falar da figura ímpar de Jesus Cristo e do que representam os lugares em que foi passada a Sua existência terrena e do que representa a Sua mensagem para uma tamanha parte da humanidade.
Para aqueles que crêem na Divindade de Jesus, o Seu julgamento e morte tinham de cumprir-se para a remissão da humanidade.
Mas para aqueles que vêem na Sua humanidade um Ser superior, que pregava o bem e a justiça, o amor entre os homens, que estava sempre ao lado dos fracos e oprimidos, fica-se a pensar se teria valido a pena o sacrifício do doce rabi da Galileia, pois esta humanidade continua sem concerto e com reles pusilânimes como Pôncio Pilatos e de traidores como Judas.
Acho que é por este motivo que Ele ainda não voltou, como tinha prometido.
- Joaquim São Bento