Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis que alagámos de beijos
quando eram outras horas nos relógios do mundo
e não havia ainda quem soubesse de nós;
e leva-o depois para junto do mar,
onde possa ser apenas mais um poema
- como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros
e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra.
Deixa que nos meus braços pousem então as aves
(que, como eu, trazem entre as penas
a saudades de um Verão carregado de paixões).
E planta à minha volta uma fiada de rosas brancas que chamem pelas abelhas,
e um cordão de árvores que perfurem a noite
- porque a morte deve ser clara como o sal na bainha das ondas,
e a cegueira sempre me assustou
(e eu já ceguei de amor, mas não contes a ninguém que foi por ti).
Quando eu morrer,
deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo e não chores,
nem toques com os teus lábios a minha boca fria.
E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios;
e que depois os lanças na solidão de um arquipélago
e partes sem olhar para trás nenhuma vez:
se alguém os vir de longe brilhando na poeira,
cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas, pingos de luz,
lágrimas de sol, ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.
- Maria do Rosário Pedreira
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